terça-feira, 29 de novembro de 2011

APRENDIZ

Sou um pequeno homem que sofro e choro com as minhas emoções.
Sou um pequeno ser que briga comigo mesmo para colocar para fora aquilo que grita dentro de mim.
Sou um pequeno menino que tem a alma cheia  de incertezas, de contos que me fizeram rir e que me fizeram chorrar quando ainda ria.
Sou um pequeno objeto que me coloco enfeitando as armadilhas que foram traçadas para mim, mesmo quando eu não sabia nem quem eu era.
Sou um pequeno jovem que reluta contra a intolerância do ser, que é capaz de ser, mesmo sem ser ainda quando não quer ser
Sou um pequeno leitor que viaja  nas minhas próprias angustias e que ainda faço das minhas viagens o refúgio para minhas perdas e as vezes para os meus ganhos.
Sou um pequeno palhaço que desconfio que a vida não me ensinou aquilo que deveria ser , e  hoje eu não sou o que sou, sou apenas eu.
Sou um pequeno ator que carrego comigo as máscaras, os disfarces, as aflições,  decepções e ainda por cima você a tira colo, dentro e fora de mim .
Também sou um pequeno ser,  que em minha miniatura me torno gigante diante dos conflitantes distúrbios da alma.
Sou um pequeno APRENDIZ da vida:
Que rebola...
Que dança conforme as notas e as notas, e as notas e também as notas...
Sou um pequeno tolo em rascunho.
Sou um pequeno sábio em xérox.
Sou um pequeno moço duplicado que se sensibiliza e grita com a dor quando ela é mais em cima e também mais em baixo e até mesmo quando não é preciso socorro.
Sou uma pequena sensação e veneno, a doce e misteriosa discórdia entre o querer e o poder.
Sou a  situação e a condição.
Sou a emoção e sou a disulação.
Sou a minha razão.
Sou a falacia que é  feita por você e por mim.
Sou apenas eu!
Pobre de mim.

Rhey D'Sá
29/11/11

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

PENSAR É TRANSGREDIR

Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.
Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.
Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.
Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!"
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.
Sem ter programado, a gente pára pra pensar.
Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.
Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.
Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.
Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.
Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.
Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.
Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.
Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.
Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.
Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.
Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.
Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.
E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.

Lya Luft